Segunda. 6:00, acordar. 7:00,
aula. 12:00, almoço. 12h30, cochilo. 13:00, trabalho de Geografia. 15:00,
estudar para a prova de Química. 17:00, lanche. 17:45, assistir TV. 18:15,
banho. 18:45, jantar. 19:15, trabalho de Geografia. 20:30, estudar.
Henrique sempre foi um cara muito
metódico. Desde cedo, com medo de se tornar um desorganizado, como era o seu
irmão mais velho, ele passou a se preocupar com o que tinha que fazer durante o
dia. Tinha a hora de estudar, a hora de ler, até a hora de dormir era marcada. Só
se livrava dessa organização nas férias. Sem trabalhos, sem provas, sem
professoras chatas, Henrique era feliz todo meio e final de ano.
O problema, para ele, era que as
férias duravam tão pouco... Daí, o tempo foi passando, sempre sob o controle de
Henrique. O rapaz acabou adquirindo uma péssima mania: checklists. Questão de
dependência, caso de internação, alguns diziam. Henrique passava a contar até
mesmo com os imprevistos, sempre tinha um “plano B”, caso a tarefa marcada não
vingasse. Só não tinha um “plano B” para os amigos, que o convidavam para sair,
mas nunca dava.
Henrique nem tinha tanto tempo
pra se chatear, afinal, ainda havia muito o que fazer. Tudo extremamente
organizado, calculado e irritantemente seguido. É muito bom seguir um rumo na
vida, nem todo pragmatismo é vil. A dose errada pode ser. No caso de Henrique,
era.
Mas a vida seguia a mesma, até
que, de repente, toda e qualquer previsão perdia o sentido. Tudo porque
Henrique acabou derrubando a xícara de café na camisa, na pressa de chegar ao
escritório. Lá se foram 15 minutos perdidos, trocando de roupa. Como se não
bastasse, o trânsito estava especialmente complicado, por conta de uma obra
realizada em uma tubulação de água – no meio da pista, às sete da manhã de uma
terça-feira.
A testa franzida de Henrique com
o atraso não precisam de mais descrições.
Ainda um pouco longe, ele
começava a repensar em tudo o que tinha de fazer naquele dia. Então, uma fumaça
escura começava a despontar no pára-brisas do carro de Henrique. Curioso, cada
vez que chegava mais perto, queria saber o que era aquilo, que vinha perto de
onde ele trabalhava. Perguntou a um ciclista que vinha de lá o que estava
acontecendo. Depois da resposta, Henrique só conseguiu largar o carro e correr.
Era o prédio onde trabalhava, onde deveria estar meia hora antes. Em chamas!
Pro texto não ficar tão pesado,
ninguém se feriu com gravidade. Perda total mesmo foi o que aconteceu com os
computadores e as agendas sobre a mesa de Henrique.
Em algumas horas, o cara que
sempre foi refém das suas obrigações e de uma rotina que o afogava,
simplesmente não tinha nada pra fazer nas horas seguintes. Nenhuma ligação a
fazer, nenhuma reunião marcada, nenhuma lista. Nada. Então, meio desolado, como
se tivessem tirado o seu GPS, Henrique sentou numa calçada e começou a pensar.
Claro que ele agradeceu aos
deuses por aquele café derrubado em sua camisa verde-piscina, pelas obras na
rua, que nunca foram tão oportunas, afinal de contas, sem isso ele teria virado
churrasco. Mas ao mesmo tempo, ele se perguntou: “Se não fosse tudo aquilo, e
eu tivesse me dado mal nesse fogaréu todo, o que teria virado churrasco?”.
32 anos de idade, sem filhos, sem
namorada, com os pais morando em outra cidade, Henrique estava só. Era só.
Amigos? Poucos, de fato. Ao contrário, muitas foram as chances de construir
novas relações. Mas sempre as obrigações na frente, sempre o que estava
marcado, sempre o planejamento. E foi justamente o imprevisto, aquele que
Henrique tentava programar, que o salvou. Duas vezes. Livrou Henrique da morte
e, de quebra, o fez começar a viver.
Meses depois, Henrique conseguiu
outro emprego, também de dois expedientes, e descobriu que é possível levar uma
vida divertida trabalhando 8 horas por dia. Até conseguiu uma namorada! Antiga
colega de trabalho, que ele nunca tinha notado muito bem. E nada como uma
mulher pra fazer um homem mudar seus planos do dia. Quando completaram seis
meses, ele ganhou um livro dela. Sabe qual era? “Cinco minutos”, de José de
Alencar. Não porque ela tinha uma doença grave e foi curada pelo amor do amado
amante, e sim para que ele nunca se esqueça de que, às vezes, não seguir o
planejado é o melhor dos planos.
IMAGEM: http://3.bp.blogspot.com/-Z5JzykcCyVg/Tze0OuGofqI/AAAAAAAABno/TDUldHbwJ0I/s1600/planejar.jpg
Nenhum comentário:
Postar um comentário