Vou me limitar a não lhe dar mais
detalhes da minha vida. Sou cronista, e isso é o que importa neste momento. Sou
cronista, gosto de escrever, analisar, opinar até, sobre temas do cotidiano,
com apreço às atualidades, os chamados factuais. Minha carreira é relativamente
longa, e eu gosto muito do que faço. Meus amigos também, a ponto de me
sugerirem escrever um livro.
Da primeira vez em que ouvi esse
pedido, refleti, mas não direi o que defini, apenas deixarei o leitor livre
para adivinhações.
Há alguns anos, quando era jovem,
disposto, cheio de empolgação e carente de bom senso, tentei por vezes iniciar
uma história que rendesse quatrocentas páginas. Nunca passava da primeira, pois
o fôlego se esvaía a altura do parágrafo doze. Às vezes, treze. Triste analogia
da minha vida. Descobri que todo escritor, mesmo tentando se esconder atrás de
suas palavras, acaba revelando de si mais do que imagina.
Como eu posso escrever um livro,
se minha mente se limita a páginas? A minha vida não passa de tiros curtos, um
seriado. Ligue a TV hoje, para me acompanhar, e não importa se acompanhou o
episódio anterior. Eu não sigo uma linha, minha trajetória é ramificada, de um
jeito que nem eu consigo esclarecer. Colcha de retalhos, que não me protege do
frio da solidão perene, que nenhuma companhia temporária consegue aquecer o
bastante.
Meus amigos vão ficando pelo
caminho, transformam-se em marcas de um passado inesquecível. E eu acabo os
esquecendo. Já sei que o difícil não é a conquista, e sim o cultivo, mas não
acho forças para aprender. Amores? Meus melhores textos, com certeza. Tanto os
de devoção, quanto os de desilusão, que dizem, rendem as frases mais
eloquentes. Amores! Passados! Sempre assim, recortes. Grandes romances? Sou
passageiro. Se eu ainda guardo em mim alguma em especial? Interessa, se não me
interessa querer mais do que já tive?
Pingo minha presença ali, aqui,
acolá, e assim vou deixando meu rastro leve, que o vento apaga com um sopro
forte. Minha marca é meu nome que assina as crônicas, que ninguém mais lê. Nem
eu mais as suporto, nem a ideia de que sou um alguém que nunca vai poder
escrever sobre permanência. Não sei se me orgulho disso, ou repudio
completamente. Por enquanto, eu prefiro ser um escritor de pequenos versos
inteiros, a reproduzir a minha incompletude em centenas de páginas vazias.
Mesmo assim, meus amigos ainda
insistem que eu escreva um livro. Quais amigos? Os de hoje, pois os de ontem eu
não sei por onde andam.
Um comentário:
Lindo texto.
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