O segundo domingo é dela, é
domingo de Círio. O segundo domingo é domingo de encontros. Um encontro de um
com outro, de grupos, de cores, de desejos e gratidões, tudo junto, misturado
em ruas estreitas, onde cabem milhões. Nem a Física explica como dois milhões
conseguem dividir o mesmo lugar no espaço. Nada é exato, enquanto é Círio. Apenas
a certeza, quando a berlinda cruza nossos olhares, de que já é outubro.
É outubro quando as luzes se
acendem, brilham multicoloridas, espalhadas por todo canto de Belém. Cores do
açaí, do tucupi, do verde que a Amazônia ainda ostenta, um verde ainda forte,
ainda nosso. Ainda. Um céu azul que espera, com nuvens brancas, levemente
acinzentadas, o povo passar pra chuva cessar. Quando o arraial gira gira todas
as cores, na roda gigante do tempo, que sempre volta ao décimo mês.
É outubro quando o cheiro da
maniva cozida gruda nas paredes de toda casa, quando o pato é assado, quando a
mesa se farta de alimento e de família. Todos ali, vendo a santinha passar da
sacada, louvando e se unindo em oração, vivendo mais um almoço do Círio. Ou
jantar, ou lanche, que seja. A maniçoba já está pronta.
É outubro quando não se fala em
outra coisa por aí. Os cartazes estampam as portas, as janelas, convidam o
mundo a entrar e passear conosco. Quando, em todas as rádios e TVs, a pauta do
dia é Círio. Quando a ansiedade fica mais forte, pois o reencontro está cada vez mais próximo. É logo ali, é amanhã, é hoje!
É outubro também quando vemos, em
cada oração, uma convocação. Em cada peregrinação, um chamado. Em cada missa,
um sinal de que estamos com a casa arrumada, roupas novas e a mesma vontade de
ver o mundo, por alguns minutos, embaçado por lágrimas que caem sem aviso, sem
vergonha e sem limites. É outubro quando os cânticos ecoam, os hinos viram
hits. É outubro quando prestamos conta do que vivemos, fizemos e deixamos de
fazer. Quem disse que, em Belém, o ano termina em dezembro?
Aqui, é outubro em janeiro,
março, junho, setembro. É outubro o ano todo. Acordar às 5, caminhar pelo
dinheiro no fim do mês, empurrar a berlinda da família, enfrentar milhões no
caminho, e mesmo assim, depois da procissão nossa de sempre, chegar em casa e
sorrir, pedir e agradecer por ter vencido a corda do tempo. É outubro a cada
vez que um pai abraça seus filhos, a cada sorriso sem motivos, a cada
conquista. Nessa terra, meus amigos, é outubro todo dia.
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