Ela achava sua vida incrível,
pessoal, muito sua. Ele achava tudo normal. Um par, dois amigos, namorados,
quanto mais se amavam, menos tinham se amado. Era o segundo posterior que
sempre valia mais que o anterior. Um ciclo, bola de neve, de algo tão bom, de
fazer os olhos dos outros brilharem. De inveja, inclusive. Mas isso não vem ao
caso.
Ela queria mais, sentia fome de
algo mais, não cabia naquele quadrado arredondado chamado coração. Queria mais
cabeça. Era mais razão, transpiração, contato, diversão. Caio era um rapaz sem
arestas, cumpria seu papel com dignidade, sabia fazer Mariana feliz. Cozinhava
bem, escrevia belas cartas, sabia tocar violão e era bom de cama. Mas ela
queria mais, e isso não estava sob o controle de Caio. Ele continuava achando
tudo normal.
E nessa brincadeira do tempo e da
febre, Mariana conheceu outros rapazes, mas nunca pôde prever que aconteceria:
ela acabou se apaixonando por um deles. O que era apenas sexo casual se tornou
o maior dos pesadelos de sua vida. Ela se sentia confusa, com medo, acuada.
Como dividir suas atenções com dois homens tão diferentes? E como se afastar do
amante, se ele era tão bom? Como encerrar um namoro de um ano por algo que nem
ela sabia ao certo definir. Caio nem imaginava, e seguia sendo Caio. Ele ainda
achava tudo normal.
Peso. Só aumentava o peso da
tristeza nas costas de Mariana. Tanta vontade resultou na falta de plenitude.
Não era completamente entregue à nova paixão, nem era inteiramente namorada.
Dividida, mas não em duas. Eram cacos. O abatimento já era notório, e Caio não
achava mais tudo tão normal. Ela buscava forças, coragem, para enfrentar o que
era mais forte do que seus pudores: seus desejos. Caio não a merecia mais, era
um sujeito limpo, ao contrário de Mariana. Então, ela fez sua escolha.
Mesmo assim, demorou para que
chegasse o dia para Mariana. Ela estava pronta, decidida a ser honesta com um
homem que lhe dedicava tamanho amor e cuidado. Até choveu, pra ficar mais
traumático e clichê. Então, chegando ao apartamento dos dois, pensando que
sairia aliviada, mesmo destruída, encontrou um grande vazio. Não, não tentei
ser eloquente ou poético. O lugar estava mesmo vazio. Sem os quadros, sem
televisão, sem roupas e joias. Nada. Nada além de um bilhete:
“Sabe, Mariana, eu não queria que fosse assim. Éramos tão amigos, e
faltou o principal de uma amizade: franqueza. Faz uns meses que eu percebi que
você estava diferente, e resolvi tentar achar o motivo, pra te ajudar. Acabei
descobrindo tudo. Uma pena. Não vale a pena contar o quanto sofri, mas eu
preciso te dizer que tive sorte de conhecer alguém melhor que você. Fomos
embora, e duvido que você consiga nos achar. Na verdade, duvido que você queira
isso, até porque sua vida deve estar perfeita. E você achando tudo normal”.
IMAGEM: http://3.bp.blogspot.com/_vbb8UHOcmW4/TDdrWF4nOhI/AAAAAAAADn4/y2ZyOgU1nao/s1600/otto_grun_sala3.jpg
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