Que brilho é esse, que inebria,
enchendo os olhos do povo paraense com uma luz forte, com lágrimas puras? Uma
chama que marca o tempo, justifica esperanças, move pessoas e guia os
pensamentos e os esforços físicos de quem se dispõe a viver intensamente o
domingo sublime. Ou melhor, aqueles domingos sublimes, que começam no sábado,
na sexta, na segunda após a procissão maior.
A vida segue dura por onze longos
meses, até que chega outubro. Mudança. As almas das gentes parauaras, que se
tornam uma só, sentem a beleza do Círio, em qualquer canto onde o pensamento
voe até Nossa Senhora. A imagem, ao contrário, torna se dez, cem, mil, milhões
de desenhos próprios da divindade e do poder de tão pequena porção de matéria.
O inverso de sua necessidade para nós.
As lágrimas vêm a cada oração, a
cada foto, a cada canção que embale os pedidos e o esforço deste povo sofrido,
valente, persistente da Amazônia. Uma fé sem limites de cor, sexo, religião. O
Círio é cultura paraense, antes de ser um evento católico. Não há exclusão que
resista, nem orgulho que se negue a receber aquela luz, que transforma a
berlinda em lamparina, iluminando as mentes e os corações de quem a vê, de quem
a segue.
Luz de miriti. O talento entra em
cena, e um simples barquinho navega em um mar de devoção e simbolismo, onde
todos podem passear. Viajar. O que conta mais, para gravar na memória? A
singeleza das peças ou a grandiosa demonstração de afeto, carinho, devoção?
Seguem pela mata verde e amarela um pedaço de madeira, envolto por vidro,
flores e gente, olhos de todo o mundo, mãos de todos nós.
Erguidas, as preces vão aos céus,
através daquele andor divino. Levado pela força papa-chibé, sem recusar ajudas
estrangeiras. Solidariedade, bondade, ajuda pura e simples, de quem nem se
conhece, mas a quem já agradece. O peito que se enche de gratidão, a voz que
grita o mais sincero “obrigado” a quem confiou no seu sofrimento e, por um
momento, lhe estendeu as mãos. Firmes, mãos que guiam, calejadas, o motivo
material de tudo aquilo. Pois o motivo espiritual não se mensura em massa. É
sentimento.
Verdade que comove, que cativa,
que incentiva. Antes, durante, depois do Círio. Sempre é Círio, no coração dos
paraenses. Respiramos fé, transpiramos orações, aspiramos à graça maior da
felicidade. Nessa caminhada tão difícil, basta que vejamos aquela luz, a mesma
que nos leva às lágrimas em todo mês de outubro. A luz da esperança, a luz de
miriti, a luz de Nazaré.
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